sexta-feira, 19 de outubro de 2012

quinta-feira, 18 de outubro de 2012

Será que eu vou virar bolor?

Composição: Arnaldo Baptista

Hoje eu percebi
Que venho me apegando às coisas
Materiais que me dão prazer
O que é isso, meu amor?
Será que eu vou morrer de dor
O que é isso, meu amor?
Será que eu vou virar bolor?
Venho me apegando ao passado
E em ter você ao meu lado
Não gosto do Alice Cooper
Onde é que está meu rock'n'roll?
Eu acho, eu vou voltar pra Cantareira
Venho me apegando aos meus sonhos
E à minha velha motocicleta
Não gosto do pessoal da Nasa
Cadê meu disco voador?
Onde é que está meu rock?
Onde é que está meu rock'n'roll?

O Som do Vinil - Tropicália ou Panis Et Circensis (2011)

terça-feira, 16 de outubro de 2012

Mistério Maior



"Mistério maior que eu acho no sexo masculino é a sobra mesmo, capaz de propulsão desde a mais tenra vida, procurando o quê? Noca punha o Zico mais o Pulinho na bacia, na mesma hora a coisinha subia, ela enjerizava: baixa isso menino, baixa logo, senão apanha. Certas psicologias têm infernizado muito as coisas, botando sua pata suja em tudo quanto é lugar, feito o mesmo serviço do intervencionismo da religião do chicote. Corpo mais alegre que eu conheci era o meu mesmo, até que me explicaram o significado dos lírios nas imagens dos santos. Agora, com a minha vida no meio é que achei mais sossego. Em pequena eu quis muitas vezes ser menino, só por causa da molinha que eu não tinha, achava poderoso e nunca, em nada, eu quis ficar por baixo de ninguém, por baixo que eu digo é inferior. Tenho de explicar porque tem gente muito maldosa que gosta de interpretar tudo na bandalheira. É um assunto difícil de deslindar, esse de macho e fêmea. É mais difícil entender coisa do que alma. Um dia fiquei olhando para um abacaxi por muito tempo e cheguei à conclusão que entendia mais Deus que aquela coisa cascuda. Por isso eu acho fascinante a concreteza do mundo, a massa compacta e fumegante do angu. Era a pessoa mais infeliz do universo se não houvesse ressurreição da carne. Mas porque tem, mesmo ficando velha e torta como vou ficando, eu saio assobiando e pulando num pé só, de tanta satisfação. Corpo é fora de série. Veja se estou errada; eu amo a Deus em espírito, é com meu corpo, porque quem levita é ele, é ele que fica extático na montanha sagrada e recebe os estigmas e as tábuas da lei. Com pouco, desvio do assunto. Machismo existe, tá aí sorrateiro, enfiado em tudo o que é canto. Se você quiser pode aqui fazer um comentário obsceno. Que faça. Quero é desabafar. Tou cheia de aguentar o papa, o presidente da república, o ministro, o prefeito, o magnífico reitor, o açougueiro, o padeiro, o padre, o meu pai, o meu avô, o meu irmão, o meu filho, o pai do meu filho, o anjo gabriel, satanás, tudo homem. Zuzu barbeiro dizia: minha sogra é mulher, minha mulher é mulher, minha filha mulher é mulher. Na casa dele só tinha ele de homem. Mas Zuzu era muito engraçado, falava pra gente rir. Eu falo é sério e falo com crédito porque desde pequenininha que eu gosto de homem. Nunca achei graça em brinquedo só de menina, não vou em chá de amizade, clube onde homem não entra. Penso que estou certa porque o livro da Bíblia, logo na primeira página, está escrito: “Deus fez o homem e o fez macho e fêmea” e isto quer dizer que somos iguaizinhos no valor. A boa diferença é só pra obrigação e amenidades. E olha, num tempo de escravidão como era aquele tinha que ser muito inspirado mesmo pra escrever uma coisa bacana dessas. Quase dois mil anos, e muita gente por aí não entendeu. Porém concordo: tem que ser muito homem pra entender. Por falar em homem, tem algum por aqui?".

Adélia Prado (Solte os cachorros, pp. 77-79).



sábado, 13 de outubro de 2012

Quarenta anos


“...os cemitérios da minha terra não dão vontade. Eu quero é o seio de Deus, quero encontrar Abraão e me insinuar junto dele, até ele perder o juízo e me fazer um filho que terá muitas terras e ovelhas. Emancipada eu não quero ser, quero ser é amada, feminina, de lindas mãos e boca de fruta, quero um vestido longo, um vestido branco de rendas e um cabelo macio, quero um colchão de penas, duas escravas negras muito limpas e quatro amantes: um músico, um padre, um lavrador e um marido. Quero comer o mundo e ficar grávida, virar giganta com o nome de Frederica, pra se cutucar na minha barriga e eu fredericar coisas e filhos cor amarela e roxa, fredericar frutas, água fresca, as pernas abertas, parindo. Por dentro faço mel como colmeias, põe tua língua no meu favo hexágono...”.

 Adélia Prado (Solte os cachorros; p. 14).


Bate-papo bom com Brunno Monteiro