sexta-feira, 15 de julho de 2016

O meu pequeno príncipe

Nesta breve reflexão, exponho a minha interpretação, de um dos livros mais encantadores que pude ler. O Pequeno Príncipe – “Le Petit Prince”, do escritor francês Antoine de Saint-Exupéry, que possui “deixas” que nos guiará para o vasto universo da teologia e da filosofia, ao tratar de temas extremamente humanos como: a amizade; a vida, a morte e o pós-vida; a ética; a estética; entre outros.
No início do livro vê-se uma espécie de recapitulação, onde presente e passado são revisitados, fruto da experiência de um aviador insatisfeito, que cai como um raio num deserto.
Não tenho como não deixar de recordar das aulas do curso de teologia, onde aprendi que à experiência antecede à escrita, tomo como exemplo os Evangelhos, que demoraram de 30 a 70 anos após a ressurreição de Cristo, para tomarem a forma que conhecemos hoje. Na mesma dinâmica, temos à experiência da fé judaica exposta na literatura mosaica, sapiencial, profética, etc. Associo esse raciocínio com este livro, por ter sido “recapitulado”, escrito 6 anos após à aparição do pequeno príncipe, ou da queda se preferir.
Observo que como em alguns relatos bíblicos do deserto encontrados no antigo e novo testamento, a narrativa do pequeno príncipe também se deu no deserto despojado de adereços, sem local e horário específico para cultivar a transcendência. Na aridez do deserto africano do Saara, o aviador voltou para dentro de si e encontrou-se com sua persona lúdica, antes adormecida. Em êxodo, pôde refletir e deixar por escrito essa obra tão maravilhosa.
Depois da queda, espantou-se com a presença de um pedacinho de gente, em seguida, pôs-se à escuta do balbuciar infantil. A palavra “Teologia” pode ser compreendida como: “balbuciar de Deus”. Tanto o Deus bíblico, quanto o pequeno príncipe “brincaram de pique esconde” ora “revelando-se”, ora “desvelando-se”.  Para mim a experiência do aviador foi espiritual (teológica) e existencial (filosófica).
Disse sensibilizado:
Quand le mystère est trop impressionnant, on n’ose pas désobéir”.
 O aviador encantado encontrou à criança perdida em si, voltou a desenhar e depois de algumas tentativas “rememorou” à aliança com o Sagrado, bebendo direto da fonte, águas que refrigeraram os seus sonhos.
Da queda do céu para terra, o pequeno príncipe e o pequeno aviador entram num universo, que os adultos não podem acessar. Do asteróide B612 antevisto por um turco, para o coração humano quebrado e solitário, algo foi semeado. No asteróide do pequeno príncipe há preservação e cuidado.
Aqui é preciso ter senso crítico em relação aos grandes baobás, assim como, com as grandes instituições religiosas ou não. A solidão desses dois personagens se encontra pelo fato de suas belíssimas flores estarem ausentes. A distância foi precisa para que a saudade batesse e resignificasse não só o sentimento deles em relação a ambas, mas principalmente à existência de ambos. A vaidade do aviador, do pequeno príncipe e da flor foi exposta.
 A amizade desses dois pequenos vai ganhando força ao ponto de se tornarem íntimos. O que pôde ser lembrado foi editado por escrito e colorido em aquarelas. Há um salto qualitativo quando nos desprendemos do não essencial, daí à necessidade de colorir a vida com “uma caixa de tintas e alguns lápis de cor”. Nessa brincadeira surgem jiboias, feras, elefantes, carneiros, vulcões e muito mais. Nessa experiência não há limites para a imaginação.
O pequeno príncipe passa por outros planetas até aterrissar no deserto do Saara (Planeta Terra), aonde fez longa estadia até voltar para o céu como uma linda e brilhante estrela. Na passagem por outros planetas observou que pôr-se livremente à disposição do outro é fundamental, destrona todos os absolutismos (Rei), que tendem a oprimir o mais necessitado. Não tendo que ser objeto de admiração (Vaidoso), nem tendo que estar entorpecido (Bêbado), por algo para ver à vida de forma bela, apegado aos números (Negociador) e à utilidade das coisas (Acendedor).
O pequeno príncipe passa pelo mundo “teórico” (Geógrafo), em direção ao sétimo planeta (Aviador). No planeta “de grande reputação”, na Terra pôde conhecer personagens que mudaram o seu rumo e inspiraram lindas prosas com o aviador.
Em relação ao contexto da passagem por outros planetas artista visual Cao Guimarães, numa entrevista disponível no YouTube, sinaliza que andar é uma coisa fundamental, que faz parte do processo da vida, do pensamento, da manifestação do mundo, do universo, das coisas do universo nele. Ele diz andar muito e ao andar se perde. Ele gosta muito de se perder, de caminhar sem mapa ou direção. Afirma que o exercício de andar é quase igual ao de se perder, mas em função de um encontrar a si mesmo.
No planeta terra, além do aviador, destaco a raposa e a serpente, devido à astúcia de ambas.
A raposa foi cativada e cativou o coração desse pequeno menino, reafirmou o valor da vida, disse que para estar viva de forma plena é necessário “criar laços”, como algo a ser descoberto, devido à complexidade que nos rodeiam. A vida segue, fica a beleza dos “cachos de ouro”, simbolizada na cor do trigo, que anteriormente era visto de forma vulgar. Viver a vida com beleza é algo humano que deve ser valorizado. É preciso criar ritos disse a raposa.
A serpente simboliza o perigo que corremos, é o limite, é o poder de escolha, é a destreza da interpretação dos enigmas. Ela trás à tona imagens nostalgicas, descobre fragilidades, ataca de forma vil, “morde por gosto”.
Ambas possuem “delicadeza no ouvir”, só que trabalham de lados opostos, uma para à vida, outra para morte.  A raposa mereceria um belo artigo, relembro que à minha exposição é breve e que também fui cativado por ela.
Relacionado ao fim do livro destaco à minha experiência de vida, que de forma processada, me levou para uma reflexão positiva em relação à morte.
Lembro da minha infância, quando fui poupado pelos meus pais de ver a morte “frente-a-frente”. Meu jovem primo morreu numa curva ao dirigir em alta velocidade. Não pude ir ao seu enterro, nem ao da minha avó. Da morte dela, ficou registrado um diálogo do meu pai com um tio meu, onde ele afirmava que à vida terminava com a morte, não acreditava no pós-vida. O perdi aos 16 anos e naquele momento não tive coragem de vê-lo no caixão, a ficha só caiu quando à lápide estava sendo fechada. Até então a minha perspectiva não era nem positiva, nem negativa, estava suspensa sem uma reflexão mais elaborada. Com o tempo percebi que é urgente e necessário à apropriação da Poesia e da Belo para ver estrelas no céu, sem elas à vida termina por aqui.
Não sei exatamente o porquê comecei a estudar teologia. Estudava literatura por conta própria com a Dona Célia, professora de Literatura, com o intuito de buscar sentido para a  minha vida, mas ela morreu de depressão, fumava e bebia o seu cafezinho religiosamente como a Clarisse Lispector.
Recomecei a minha caminhada no cristianismo e de imediato ingressei no meu primeiro curso, que depois de dois anos me levou para a PUC/RJ. Sou fruto de uma juventude influenciada por vídeo clips, moda, música alternativa, movimentos populares como: a tropicália, o mangue beat, o teatro do oprimido, a semana de arte de 22, a teoria queer que desembocou na teologia da libertação. A minha experiência de vida-morte passa por isso tudo.
Voltando para o final do livro, afirmo que tive a minha primeira experiência positiva com a morte de meu avô. Fiquei a vontade, ao ponto de despentear seus cabelos brancos. Mas foi na morte de meu padrinho que dei um salto definitivo, ele se dizia “ateu”, mas era tão “cristão” quanto Jesus de Nazaré em sua orientação espiritual. Ele era tão querido que foi fretado um ônibus de Magé para o cemitério do Caju. Nesse dia libertador senti o perfume da minha infância, de grama cortada nas minhas férias de final de ano, onde primos e amigos eram reunidos numa casa em São Pedro da Aldeia, acolhidos por dindinha Edna e dindinho Cláudio, que não podiam ter filhos, e que posteriormente tivemos a alegria de receber Pedro e Tiago, primos de coração. Senti esse perfume, me lembrei do meu primeiro livro dado por eles: O Menino Maluquinho. Rememoramos, testemunhamos sua vida na nossa. Foi um momento espiritual, que trouxe alegria nesse momento de cisão. Momento esse que se repetiu com a morte de minha saudosa mãe. Falo com peito aberto e por incrível que pareça com alegria. Dela tive a oportunidade de me fazer de forma livre, de ser quem eu sou.
 Eu e meu irmão fomos abençoados igualmente por Deus (em tempos distintos). Ele teve à responsabilidade de entregar o nosso pai para Deus, da mesma forma que tive de entregar à nossa mãe. Para meu espanto vi beleza no momento de sua morte, como à imagem da escultura “Pietá”, ela veio a falecer em meus braços, orando a Deus, em conexão radical com o transcendente, com as estrelas. Foi um dos momentos mais lindos vividos que me deram forças para superar à falta dela, que a cada dia cresce.
A filha de minha prima, a “Côcól”, a linda Ana Carolina, assim como o pequeno príncipe, escreveu tão pequenina, no seu Facebook, que a “Tia Edilce” tinha virado uma estrela, agradecendo a tudo o que ela tinha feito na sua formação.  Côcól fez poesia, me ajudou a transcender essa realidade tão humana. Os mortos vivem como nunca em nós.
Em síntese digo que é preciso: criar laços como o pequeno menino e a raposa fizeram, diferentemente de Caim e Abel (Gn 4, 1-24); maturar as relações afetivas com o pequeno príncipe e a flor; ver o outro com benignidade e discernimento (Rei, Vaidoso, Bêbado, Acendedor, Geógrafo, Aviador); criar “oásis”, “fontes de águas vivas” em lugares inóspitos. Fazer do deserto Éden, da queda à salvação. Para o pequeno príncipe a vida é muito simples, basta vê-la com o coração e privilegiar o essencial, mesmo que correndo riscos (serpente).

Dedicado a professora Angela Perricone.