Nesta breve reflexão,
exponho a minha interpretação, de um dos livros mais encantadores que pude ler.
O Pequeno Príncipe – “Le Petit Prince”, do escritor francês Antoine de
Saint-Exupéry, que possui “deixas” que nos guiará para o vasto universo da
teologia e da filosofia, ao tratar de temas extremamente humanos como: a
amizade; a vida, a morte e o pós-vida; a ética; a estética; entre outros.
No início do livro
vê-se uma espécie de recapitulação, onde presente e passado são revisitados,
fruto da experiência de um aviador insatisfeito, que cai como um raio num
deserto.
Não tenho como não
deixar de recordar das aulas do curso de teologia, onde aprendi que à
experiência antecede à escrita, tomo como exemplo os Evangelhos, que demoraram
de 30 a 70 anos após a ressurreição de Cristo, para tomarem a forma que
conhecemos hoje. Na mesma dinâmica, temos à experiência da fé judaica exposta
na literatura mosaica, sapiencial, profética, etc. Associo esse raciocínio com
este livro, por ter sido “recapitulado”, escrito 6 anos após à aparição do
pequeno príncipe, ou da queda se preferir.
Observo que como em
alguns relatos bíblicos do deserto encontrados no antigo e novo testamento, a
narrativa do pequeno príncipe também se deu no deserto despojado de adereços,
sem local e horário específico para cultivar a transcendência. Na aridez do
deserto africano do Saara, o aviador voltou para dentro de si e encontrou-se com
sua persona lúdica, antes adormecida. Em êxodo, pôde refletir e deixar por
escrito essa obra tão maravilhosa.
Depois da queda,
espantou-se com a presença de um pedacinho de gente, em seguida, pôs-se à
escuta do balbuciar infantil. A palavra “Teologia” pode ser compreendida como:
“balbuciar de Deus”. Tanto o Deus bíblico, quanto o pequeno príncipe “brincaram
de pique esconde” ora “revelando-se”, ora “desvelando-se”. Para mim a
experiência do aviador foi espiritual (teológica) e existencial (filosófica).
Disse sensibilizado:
“Quand le mystère
est trop impressionnant, on n’ose pas désobéir”.
O aviador
encantado encontrou à criança perdida em si, voltou a desenhar e depois de
algumas tentativas “rememorou” à aliança com o Sagrado, bebendo direto da
fonte, águas que refrigeraram os seus sonhos.
Da queda do céu para
terra, o pequeno príncipe e o pequeno aviador entram num universo, que os
adultos não podem acessar. Do asteróide B612 antevisto por um turco, para o
coração humano quebrado e solitário, algo foi semeado. No asteróide do pequeno
príncipe há preservação e cuidado.
Aqui é preciso ter
senso crítico em relação aos grandes baobás, assim como, com as grandes
instituições religiosas ou não. A solidão desses dois personagens se encontra
pelo fato de suas belíssimas flores estarem ausentes. A distância foi precisa
para que a saudade batesse e resignificasse não só o sentimento deles em
relação a ambas, mas principalmente à existência de ambos. A vaidade do
aviador, do pequeno príncipe e da flor foi exposta.
A amizade desses
dois pequenos vai ganhando força ao ponto de se tornarem íntimos. O que pôde
ser lembrado foi editado por escrito e colorido em aquarelas. Há um salto
qualitativo quando nos desprendemos do não essencial, daí à necessidade de
colorir a vida com “uma caixa de tintas e alguns lápis de cor”. Nessa
brincadeira surgem jiboias, feras, elefantes, carneiros, vulcões e muito mais.
Nessa experiência não há limites para a imaginação.
O pequeno príncipe
passa por outros planetas até aterrissar no deserto do Saara (Planeta Terra),
aonde fez longa estadia até voltar para o céu como uma linda e brilhante
estrela. Na passagem por outros planetas observou que pôr-se livremente à
disposição do outro é fundamental, destrona todos os absolutismos (Rei), que tendem
a oprimir o mais necessitado. Não tendo que ser objeto de admiração (Vaidoso),
nem tendo que estar entorpecido (Bêbado), por algo para ver à vida de forma
bela, apegado aos números (Negociador) e à utilidade das coisas (Acendedor).
O pequeno príncipe passa
pelo mundo “teórico” (Geógrafo), em direção ao sétimo planeta (Aviador). No
planeta “de grande reputação”, na Terra pôde conhecer personagens que mudaram o
seu rumo e inspiraram lindas prosas com o aviador.
Em relação ao contexto
da passagem por outros planetas artista visual Cao Guimarães, numa entrevista
disponível no YouTube, sinaliza que andar é uma coisa fundamental, que faz
parte do processo da vida, do pensamento, da manifestação do mundo, do
universo, das coisas do universo nele. Ele diz andar muito e ao andar se perde.
Ele gosta muito de se perder, de caminhar sem mapa ou direção. Afirma que o
exercício de andar é quase igual ao de se perder, mas em função de um encontrar
a si mesmo.
No planeta terra, além
do aviador, destaco a raposa e a serpente, devido à astúcia de ambas.
A raposa foi cativada
e cativou o coração desse pequeno menino, reafirmou o valor da vida, disse que
para estar viva de forma plena é necessário “criar laços”, como algo a ser
descoberto, devido à complexidade que nos rodeiam. A vida segue, fica a beleza
dos “cachos de ouro”, simbolizada na cor do trigo, que anteriormente era visto
de forma vulgar. Viver a vida com beleza é algo humano que deve ser valorizado.
É preciso criar ritos disse a raposa.
A serpente simboliza o
perigo que corremos, é o limite, é o poder de escolha, é a destreza da
interpretação dos enigmas. Ela trás à tona imagens nostalgicas, descobre
fragilidades, ataca de forma vil, “morde por gosto”.
Ambas possuem
“delicadeza no ouvir”, só que trabalham de lados opostos, uma para à vida,
outra para morte. A raposa mereceria um belo artigo, relembro que à minha
exposição é breve e que também fui cativado por ela.
Relacionado ao fim do
livro destaco à minha experiência de vida, que de forma processada, me levou
para uma reflexão positiva em relação à morte.
Lembro da minha
infância, quando fui poupado pelos meus pais de ver a morte “frente-a-frente”.
Meu jovem primo morreu numa curva ao dirigir em alta velocidade. Não pude ir ao
seu enterro, nem ao da minha avó. Da morte dela, ficou registrado um diálogo do
meu pai com um tio meu, onde ele afirmava que à vida terminava com a morte, não
acreditava no pós-vida. O perdi aos 16 anos e naquele momento não tive coragem
de vê-lo no caixão, a ficha só caiu quando à lápide estava sendo fechada. Até
então a minha perspectiva não era nem positiva, nem negativa, estava suspensa
sem uma reflexão mais elaborada. Com o tempo percebi que é urgente e necessário
à apropriação da Poesia e da Belo para ver estrelas no céu, sem elas à vida
termina por aqui.
Não sei exatamente o
porquê comecei a estudar teologia. Estudava literatura por conta própria com a
Dona Célia, professora de Literatura, com o intuito de buscar sentido para
a minha vida, mas ela morreu de depressão, fumava e bebia o seu cafezinho
religiosamente como a Clarisse Lispector.
Recomecei a minha
caminhada no cristianismo e de imediato ingressei no meu primeiro curso, que
depois de dois anos me levou para a PUC/RJ. Sou fruto de uma juventude
influenciada por vídeo clips, moda, música alternativa, movimentos populares
como: a tropicália, o mangue beat, o teatro do oprimido, a semana de arte de
22, a teoria queer que desembocou na teologia da libertação. A minha
experiência de vida-morte passa por isso tudo.
Voltando para o final
do livro, afirmo que tive a minha primeira experiência positiva com a morte de
meu avô. Fiquei a vontade, ao ponto de despentear seus cabelos brancos. Mas foi
na morte de meu padrinho que dei um salto definitivo, ele se dizia “ateu”, mas
era tão “cristão” quanto Jesus de Nazaré em sua orientação espiritual. Ele era
tão querido que foi fretado um ônibus de Magé para o cemitério do Caju. Nesse
dia libertador senti o perfume da minha infância, de grama cortada nas minhas
férias de final de ano, onde primos e amigos eram reunidos numa casa em São
Pedro da Aldeia, acolhidos por dindinha Edna e dindinho Cláudio, que não podiam
ter filhos, e que posteriormente tivemos a alegria de receber Pedro e Tiago,
primos de coração. Senti esse perfume, me lembrei do meu primeiro livro dado
por eles: O Menino Maluquinho. Rememoramos, testemunhamos sua vida na nossa.
Foi um momento espiritual, que trouxe alegria nesse momento de cisão. Momento
esse que se repetiu com a morte de minha saudosa mãe. Falo com peito aberto e
por incrível que pareça com alegria. Dela tive a oportunidade de me fazer de
forma livre, de ser quem eu sou.
Eu e meu irmão
fomos abençoados igualmente por Deus (em tempos distintos). Ele teve à
responsabilidade de entregar o nosso pai para Deus, da mesma forma que tive de
entregar à nossa mãe. Para meu espanto vi beleza no momento de sua morte, como
à imagem da escultura “Pietá”, ela veio a falecer em meus braços, orando a
Deus, em conexão radical com o transcendente, com as estrelas. Foi um dos
momentos mais lindos vividos que me deram forças para superar à falta dela, que
a cada dia cresce.
A filha de minha
prima, a “Côcól”, a linda Ana Carolina, assim como o pequeno príncipe, escreveu
tão pequenina, no seu Facebook, que a “Tia Edilce” tinha virado uma estrela,
agradecendo a tudo o que ela tinha feito na sua formação. Côcól fez
poesia, me ajudou a transcender essa realidade tão humana. Os mortos vivem como
nunca em nós.
Em síntese digo que é preciso: criar laços como o pequeno menino e a raposa fizeram, diferentemente de Caim e Abel (Gn 4, 1-24); maturar as relações afetivas com o pequeno príncipe e a flor; ver o outro com benignidade e discernimento (Rei, Vaidoso, Bêbado, Acendedor, Geógrafo, Aviador); criar “oásis”, “fontes de águas vivas” em lugares inóspitos. Fazer do deserto Éden, da queda à salvação. Para o pequeno príncipe a vida é muito simples, basta vê-la com o coração e privilegiar o essencial, mesmo que correndo riscos (serpente).
Em síntese digo que é preciso: criar laços como o pequeno menino e a raposa fizeram, diferentemente de Caim e Abel (Gn 4, 1-24); maturar as relações afetivas com o pequeno príncipe e a flor; ver o outro com benignidade e discernimento (Rei, Vaidoso, Bêbado, Acendedor, Geógrafo, Aviador); criar “oásis”, “fontes de águas vivas” em lugares inóspitos. Fazer do deserto Éden, da queda à salvação. Para o pequeno príncipe a vida é muito simples, basta vê-la com o coração e privilegiar o essencial, mesmo que correndo riscos (serpente).
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