terça-feira, 20 de setembro de 2011

Diário de Bordo [AGDL]


A princípio fiz a primeira etapa da oficina: Introdução à Estética do Oprimido (15, 16 e 17 de abril); A Estética do Oprimido (06, 07 e 08 de maio), com um intuito muito específico: ter informações necessárias para formular uma Pesquisa Científica (PIBIC/Teologia/PUC, RJ), onde a práxis político - libertadora do Teatro do Oprimido me auxiliará para fazer conexões com o Projeto Marvin. Na realidade o meu projeto científico irá tratar sobre a religião e o horizonte utópico de jovens da Baixada Fluminense (Belford Roxo, RJ).
O que eu pude perceber nesse primeiro momento foi que o Teatro do Oprimido inverte uma ordem lógica, que visa primeiro à elaboração teórica, para essa expressão de arte é através da experiência que tudo se inicia. De cara fui impactado com essa metodologia, principalmente por eu já ter lido algo de Augusto Boal e vê-lo não apenas como diretor de teatro, mas como um grande pensador, filósofo da arte.
São nas ações da vida (de opressões) que seu método se inspira. Eticamente nos desnudamos em solidariedade, apresentando ao grupo nossas opressões que posteriormente são encenadas. Há um momento em que o oprimido e o opressor entram em crise, após o fracasso do oprimido o curinga estimula a platéia para entrar em cena. O espectador, ou melhor, o "espect-ator" entra em cena e literalmente se veste com a roupa ou com alguma peça do oprimido, isto é, o "espect-ator", encarna o oprimido  criando novas alternativas para transformar aquela realidade de opressão.
Percebi que no nosso cotidiano sofremos e produzimos muitas opressões e sai com a certeza de que há no meu interior muita violência, muita opressão. Meus gestos, minhas expressões concretizaram guerra, morte, violência. Também pude perceber que em muitas ações do meu dia-a-dia, eu sou o agente da opressão.


 

O que ficou de mais importante foi à vontade, o desejo de ser artista, de ser ator. Boal diz que “ser artista é ser humano”. Sai com o desejo de ser mais humano, principalmente no que diz respeito aos meus direitos e deveres.
Reviver essa experiência, através dessas fotos é mágico! Da vontade de entender mais, de viver mais essa utopia, a de sermos realmente artistas (artistas- cidadãos). Somos todos artistas (Sacerdócio Universal Artístico articulado com uma Diaconia Universal Artística), não tem como dizer o contrário vendo essas fotos.
Somos a nova geração dessa utopia que une nações, que une diferenças, que une irmãos. Que a semente lançada por Boal germine sempre e sempre em nossos corações, em nossas ações, que a cada dia venhamos “desmecanizar” os nossos sentidos em prol de algo maior, que nos trancende. Não é isso também o Reino de Deus, descrito num antigo livro?


Uma palavra que poderia sintetizar a oficina: A Imagem na Estética do Oprimido (08, 09 3 10 de julho), seria a palavra: “Diversidade”.  Aqui no CTO a diversidade tem o seu lugar, daí as máximas: "o que não é proibido é permitido"; "Para essas coisas não há lei”. O maravilhoso é que nessa diversidade fluorescente tudo pode e o que vale e a nossa força criativa.
Digo que há “unidade na pluralidade” – parafraseando o mestre Garcia Rúbio. Há a pluralidade, mas há também algo que é muito nosso, que é muito brasileiro, isto é, a estética do oprimido. Mas que outros povos, tribos e nações também se orgulham.
No Teatro do Oprimido além de encontrarmo-nos como artistas, vejo que há um encontrar-se com a nossa brasilidade, com o nosso passado, com a nossa ancestralidade tão mixada. Repito é muito nossa, mas também é universal (é uma estética que valoriza e integra o ser humano).


Valorizo a Estética do Oprimido, assim como valorizo a Semana de 22, a Tropicália, a Pedagogia do Oprimido, o Cinema Novo, a Teologia da Libertação, o Manguebeat etc.
Nessa última oficina o que deu a tonalidade da festa foi sem dúvida o hibridismo cultural em seus variados matizes. Nos relacionamos com os artistas-cidadãos da Argentina, da Dinamarca, da República Checa, da Bolívia, da Inglaterra, dos EUA, da Espanha, do México; do Brasil tivemos artistas-cidadãos, de Curitiba, de Recife, de Minas Gerais, de São Paulo, do Rio de Janeiro, enfim uma geléia geral, uma “zona”.
Dentro de tanta diversidade fomos “limitados” à imagem, para nos expressar. Vimos o quanto é difícil e o quanto somos bombardeados por esse sentido. Num almoço com o grupo experimentamos algo, ocorreu com a Claudete (curinga). Quando estávamos na mesa tinha uma carreira de latinhas de refrigerante de cor vermelho e branco, simplesmente ela pediu um suco de laranja. E contou uma experiência de quando o filho dela era pequeno, mal sabia falar, ele viu um outdoor com o mesmo rótulo desse refrigerante e pronunciou o nome dele.
 

Nessa etapa das oficinas, registro que através da oficina: Teatro-Jornal: Uma Resposta Estética a Invasão do Cérebro (16, 17 e 18 de setembro), muitas questões foram levantadas, no que diz respeito de fazermos uma leitura crítica de nossas vidas. Fomos provocados em relação ao nosso lugar no mundo. Fizemos leituras: simples, paralelas, históricas, descontextualizadas de duas notícias. Uma abordava a temática homofobia, a notícia se encontrava na parte de entretenimento de um jornal impresso carioca. A outra notícia abordava a problemática do crack, o jornal retratava a justificativa da empresa de transporte SuperVia, em relação aos atrasos por causa dos viciados que "insistem" em ficar nas linhas de trem de Manguinhos no Rio de Janeiro.
Em que uma leitura crítica, uma postura ética, solidária diante dos fatos descritos pela multimídia, pode ser útil para a construção de nosso mundo atual?

É essencial que ao lermos os fatos atuais não tenhamos uma postura anacrônica: política, sociológica, psicológica, teológica etc. Leituras anacrônicas, individualistas empobrecem, enfraquecem o discurso, as possibilidades de políticas públicas justas. Nesse sentido percebemos que “poderosos” tentam através da força da multimídia absolutizar ideologias, “mistificam-na” com um peso de “verdade absoluta”, restringindo a confecção e propagação de notícias a um “povo eleito”. Povo eleito que tem como pretensão colonizar-nos sensorialmente, daí a crítica de Augusto Boal, que enfatiza que a 3ª guerra mundial passará pelo domínio de nossos sentidos.
“Os poderosos” subestimam os oprimidos, que em sua constituição natural também são dotados de razão, de liberdade e de força criativa. É urgente e necessário fazermos uma leitura crítica dos fatos e confecção multimidiática na perspectiva do/para e sobre o oprimido e pelas mãos do próprio oprimido, para termos o direito e o dever de melhor analisarmos os acontecimentos.
Podemos por analogia aproximar o ser artista, ou "hermeneuta", o ser cidadão-artista, ou "hermeneuta-cidadão" de Boal com os profetas do AT, que em contato com a história, com o outro e com o Mistério fizeram uma interpretação na perspectiva do oprimido, revelando utopias humanas e divinas. 

 
Afirma Boal:
“O artista mostra o escondido, não o óbvio, e nos faz entender através dos sentidos – torna consciente o que estava em nós impregnado. No tempo, surpreende o instante; no espaço, o invisível. No teatro – a mais complexa de todas as artes, porque a todas inclui com suas complexidades –, os artistas (cidadãos) devem fazer-nos ver o que temos diante do nariz e não vemos, entender o que é claro e nos aparece obscuro [...] Nunca vemos tudo que está diante de nossos olhos, mas podemos ver o que não existe [...]”.
Se lermos os fatos numa perspectiva ingênua, de adivinhação, “apocalíptica”, pessimista, trágica em relação ao futuro, sem fazermos uma leitura crítica que contemple o passado e o presente na perspectiva do oprimido, faremos uma análise estrutural de conjuntura mágica, imatura, consequentemente teremos uma perspectiva de futuro esvaziada do comprometimento com o outro (oprimido). 


Vivemos num tempo de avanços na área da tecnologia, da economia, da sociologia, da psicologia, através de uma reflexão histórica mais aprofundada, não deveríamos repetir paradigmas passados (anacronismo). Devemos fazer uma releitura- atualizada do passado, refletindo, aplicando para os nossos dias todo um legado libertador, frente ao ser humano e ao mundo no qual estamos inseridos. Não devemos nos fechar num programa unívoco, em máximas verdadeiras pré- estabelecidas e em normas sociais reducionistas, devido à própria contingência histórica. 

 
Nessa oficina refletimos numa mesa de bar sobre a tentação, a possibilidade de cairmos numa visão maniqueísta de interpretação dos fatos noticiados, onde o bem e o mal podem criar blocos rígidos, podem criar dificuldades para um diálogo-integração, não percebendo que a vida também possui nuances e ambigüidades. É urgente não negarmos a necessidade de denunciarmos os “poderosos”, como os profetas o fizeram e é necessário um anúncio libertador atualizado, que integre também os oprimidos em ações éticas continuadas, onde todos e todas passam participar da construção de um mesmo mundo.

Um comentário:

  1. Essa possibilidade da transcendência que nos é embotada todos os dias através desses 'veículos' onde nos 'retiram' nossas atividades sensíveis, impedindo de nos perceber e de perceber o mundo à nossa volta, de transgredir e revolver o que estava antes imexível, e de libertar os nossos corpos e sentidos para o 'grande projeto da vida' que somos nós mesmos, faz com que o Teatro do Oprimido traga uma luz, um verbete mágico... um horizonte intransponível de vitalidade! Esse sim é o oprimido que vence e que transforma essa luta de poder desmedida e injusta!!! Viva a Ética da Solidariedade, viva as Ações Continuadas e Concretas: Viva a Estética do Oprimido!!!!

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