domingo, 4 de setembro de 2011

Teologia da Libertação

“Masturbação, Café e Teologia” apresenta uma breve exposição sobre a Teologia da Libertação que nesse ano completa 40 anos de existência, resistência. Interpretada pelos teólogos brasileiros Leonardo Boff (responsável pelo texto) e Alexandre Rangel (responsável pelos comentários das pinturas); interpretada também através da arte do pintor espanhol Cerezo Barredo.

Em 1971 Gustavo Gutiérrez publicava no Peru seu livro fundador “Teologia da Libertação. Perspectivas”. Leonardo Boff publica aqui no Brasil no mesmo ano em forma de artigos, na revista “Grande Sinal”, o seu “Jesus Cristo Libertador”, depois lançado em livro devido à repressão militar. Desde então surgiram três gerações de teólogos e teólogas que se inscrevem dentro da Teologia da Libertação. Hoje ela está em todos os continentes e representa um modo diferente de fazer teologia, a partir dos condenados da Terra e da periferia do mundo.

A Teologia da Libertação é uma teologia incompreendida, difamada, perseguida e condenada pelo poderes da economia e do mercado. A condenam porque cometeu um crime para eles intolerável: optou por aqueles que estão fora do mercado e são zeros econômicos. Os poderes eclesiásticos a condenaram por cair numa “heresia” prática ao afirmar que o pobre pode ser construtor de uma nova sociedade e também de outro modelo de Igreja. Antes de ser pobre, ele é um oprimido ao qual a Igreja deveria sempre se associar em seu processo de libertação. Isso não é politizar a fé, mas praticar uma evangelização que inclui também o político. Consequentemente, quem toma partido pelo pobre-oprimido sofre acusações e marginalizações por parte dos poderosos seja civis, seja religiosos.

Por outro lado, a Teologia da Libertação representa uma benção e uma boa nova para os pobres. Sentem que não estão sós, encontraram aliados que assumiram sua causa e suas lutas. Lamentam que o Vaticano e boa parte dos bispos e padres construam no canteiro de seus opressores e se esquecem que Jesus foi um operário e pobre e que morreu em consequência de suas opções libertárias a partir de sua relação para com o Deus da vida que sempre escuta o grito dos oprimidos.

Sem o pobre e o oprimido não há Teologia da Libertação. Toda opressão clama por uma libertação. Por isso, onde há opressão concreta e real que toca a pele e faz sofrer o corpo e o espírito ai tem sentido lutar pela libertação. Herdeiros de um oprimido e de um executado na cruz, Jesus, os cristãos encontram em sua fé mil razões por estar do lado dos oprimidos e junto com eles buscar a libertação. Por isso a marca registrada da Teologia da Libertação é agora e será até o juízo final: a opção pelos pobres contra sua pobreza e a favor de sua vida e liberdade.

A Teologia da Libertação partiu diretamente dos pobres materiais, das classes oprimidas, dos povos desprezados como os indígenas, negros marginalizados, mulheres submetidas ao machismo, das religiões difamadas e outros portadores de estigmas sociais. Mas logo se deu conta de que pobres-oprimidos possuem muitos rostos e suas opressões são, cada vez, específicas. Não se pode falar de opressão-libertação de forma generalizada. Importa qualificar cada grupo e tomar a sério o tipo de opressão sofrida e sua correspondente libertação ansiada.

Desmascarou-se o sistema que subjaz a todas estas opressões, construído sobre o submetimento dos outros e da depredação da natureza. Dai a importância do diálogo que a Teologia da Libertação conduziu com a economia política capitalista. De grande relevância crítica foi a releitura da história da América Latina a partir das vítimas, desocultando a perversidade de um projeto de invasão coletivo no qual o colono ou o militar vinha de braço dado com o missionário. Esse casamento incestuoso produziu, segundo o historiador Oswald Spengler, o maior genocídio da história. Até hoje nem as potências outrora coloniais nem a Igreja institucional tiveram a honradez de reconhecer esse crime histórico, muito menos de fazer qualquer gesto de reparação.

A Teologia da Libertação não caiu do céu nem foi inventada por algum teólogo inspirado. Mas emergiu do bojo desse movimento maior mundial e latino-americano, por um lado político e por outro eclesial. Ela se propôs pensar as práticas eclesiais e políticas em curso à luz da Palavra da Revelação. Ela comparecia como palavra segunda, crítica e regrada, que remetia à palavra primeira que é a prática real junto e com os oprimidos.

Alguns nomes seminais merecem ser aqui destacados que, por primeiro, captaram a relevância do momento histórico e souberam encontrar-lhe a fórmula adequada: Gustavo Gutiérrez do Peru, Juan Luiz Segundo do Uruguai, Hugo Asmann do Brasil e Enrique Dussel e Miguez Bonino, ambos da Argentina. Esta foi a primeira geração. Seguiram-se outras.

Sem entrar em detalhes, surgiram várias tendências dentro da mesma e única Teologia da Libertação: a feminista, a indígena, a negra, a das religiões, a da cultura, a da história e da ecologia. Logicamente, cada tendência se deu ao trabalho de conhecer de forma crítica e científica seu objeto, para poder retamente avaliá-lo e atuar sobre ele de forma libertadora à luz da fé. 

Mural da igreja do Morro de Areia, em Santa Terezinha – 1989
O Reino e o anti-Reino

A força do pecado nas máquinas, no lucro, na fome de poder (“ídolos da morte” que anunciam o anti-Reino), oprimem e dominam os filhos e filhas de Deus. Aqueles e aquelas que se rendem aos apelos das trevas, são devorados pela escuridão ou são escravizados.
Com braço longo, ausente de luz, tenta a todos e todas alcançar, mas a luz do Cristo ressuscitado protege quem escolheu segui-lo. Sem máquinas, dinheiro ou poder, se faz presente no meio do povo, a frente deles, trazendo a esperança da construção de um novo Reino.
Uma igreja simples, sem forro, sem nada de esplendoroso, talvez uma casa como outra qualquer, como uma “igreja domiciliar” do cristianismo primitivo.
Mural da igreja de Luciara – 1993
Magnificat, Canto da Libertação

Nossa Senhora é “Morena toda Nossa” vestida de com a cor “vinho do sangue resgatado”. Se identifica com as características das mulheres locais, normalmente indígenas ou descendentes destas.
Mãe do “Deus Homem”, traz consigo a vida do “Deus Vivo”, que brilha e a faz brilhar (o sol que desce sobre ela).O sol, o céu e a terra se abraçam no encontro dos três círculos centrais e Maria parece ser aquela que, pode tudo ligar, com sua ternura e mistério.
Os “ídolos de morte” aparecem num canto obscuro e já sendo quase que jogados para fora do mural pela força da comunidade (negro, índio e mulher) reunida pelos braços e mãos maternas em torno da Bíblia (da Palavra).
A força do trabalho, da esperança e do louvor derrubam tronos e produzem: saúde, justiça, pão, partilha, terra e educação.





Mural da igreja de São José, em São Félix do Araguaia – 1989
Na Família de Deus

A família de Deus Abençoada pela Santíssima Trindade é aquela que trabalha e que celebra com as CEBs.
As mãos do Deus Pai, o Espírito em forma de Pomba e o Filho. A família de Deus é a comunidade, “habitat da Trindade”1.
A Sagrada Família é apresentada como uma família camponesa que trabalha, celebra, ama e, por isso, é sinal, sacramento para a comunidade que os segue.
O “papagaio” voa livre, sem linha e, por isso, é sinal de liberdade presente na comunidade e no mural de outra “igreja domiciliar”.

1. Cerezo Barredo e Pedro Casaldáliga, “Murais da Libertação”, Edições Loyola, São Paulo, SP, p. 23.
Mural da igreja de São João Batista, em Ribeirão Cascalheira – 1990
No Compromisso da Profecia

O batismo de Jesus sobre o rio Jordão apresenta a profecia de João Batista, o Espírito que desce em forma de pomba e a graça que é oferecida pelas mãos do Pai a todos os pobres pecadores, que recebem uma nova vida nas águas do batismo. A Trindade novamente se apresenta.
Revelam a esperança de uma nova humanidade e convoca todos e todas para a profecia: “É o tempo da Ternura. É o Kairós da História”2.

2. Ibid. p. 29.
Mural da Capela do Batismo na igreja de São Pedro, em Vila Rica 1992
Nascer de Novo

Na Páscoa do Senhor, podemos nascer de novo. Iluminados pelo Espírito: peões, negros, índios, mulheres e crianças, escutam atentamente o Mestre, que lhes mostra um tronco cortado, que um dia foi uma árvore.
Esta foi arrancada e morreu, mas teima em “Nascer de Novo”, assim como nós, que morremos com Cristo na sua morte de cruz e também teimamos em ressuscitar junto com ele, porque com ele “tudo é Páscoa”.
Mural da Capela dos Sacramentos na igreja de São José, em São Félix do Araguaia – 1989
Água, Terra e Pão

O Cristo de cor negra “feito de sol e dor” filho do Araguaia com certeza, é esperança da terra prometida, do alimento (pão da vida) e da bebida (água que é capaz de saciar toda a sede do povo pobre do Araguaia).
E é ele que faz com que o povo do Araguaia, alimentado pela esperança no Cristo Ressuscitado, se faça “Igreja-Sacramento”.
Presbitério da igreja de São Pedro, em Vila Rica – 1992
Na Diaconia do Reino

A pedra ao centro nos lembra Pedro, pedra da Igreja, de onde todos nós iniciamos nossa caminhada.
Pedro pescador, que escuta o senhor e utiliza os carismas do Espírito para garantir que as portas que levam a liberdade estejam sempre abertas, mesmo depois de ter negado ser discípulo do Mestre (galo sobre uma rocha).
A realidade do povo da Igreja é apresentada no lado direito do mural: o serviço (diaconia) de todo dia e da comunidade toda no lava-pés diário; a partilha dos alimentos típicos de cada grupo para formar uma só mesa, a fim de celebrar a Páscoa deles na Páscoa do Senhor; o “índio, que reclama pela bula com que Pedro entrega as terras indígenas”3; O povo trabalhador e orador, convoca todas as culturas que estão a mesa para construir o Reino e destruir todos os impérios, sempre guiados pela graça do Evangelho.

3. Ibid. p. 45.

Presbitério da igreja de São José do Xingu – 2001
Eucaristia, Dom de Deus, Fruto do Trabalho

O primeiro mural, da esquerda para direita, apresenta a Eucaristia como luz que brilha embaixo da lua que traz a escuridão de morte, de onde nasce o sol. A cruz ao centro traz a partilha do pão, da terra, do fruto do trabalho, da vida dom de Deus.
O mural central nos revela o Cristo crucificado e envolvido por símbolos indígenas.
No terceiro mural, os trabalhadores que edificam a Igreja, são também aqueles que são movidos pela Promessa, pela Utopia do Reino. Lutam contra o latifúndio (panela crivada de balas) e querem ver seus reitos Humanos respeitados.


Mural da igreja de Querência – 2001
Na Ceia Ecológica do Reino

Para mim, o mural mais bonito de todos, pois além de incluir todos os povos e culturas na Ceia do Senhor, inclui também a natureza criada e a cultivada.
O sol e a lua apresentados não como morte e vida, trevas e luz, como apareciam nas pinturas renascentistas, mas como “tempo humano”.
O rosto do Filho nos diferentes rostos humanos e o 12ºdiscípulo é uma criança.
Novamente o tronco cortado com um pequeno galho crescendo, simboliza o nosso nascer de novo na Páscoa.
Comunhão fraterna entre todos e todas, apesar das diferenças culturais.
Mural do Santuário dos Mártires da Caminhada, em Ribeirão Cascalheira- 1986
O Maior Amor

O Cristo que surge do meio do povo, com suas feridas é testemunha do amor do Pai que o ampara pelas mãos e que envia o Espírito consolador.
“Junto d'Dele, colegas de combate, João Bosco, Margarida, Rodolfo, Gringo, Tião, Josimo, Chico, Santo, … Tantos! Tantas!”4.
Na celebração da Páscoa, é feita memória do Cristo Jesus e de todos os “cristos” homens e mulheres, que surgiram do meio do povo e que também entregaram sua vida pelo Reino, por amor ao próximo.

4. Ibid. p. 63.
Mural da Catedral de São Félix do Araguaia – 1977
A Páscoa de Cristo e A Páscoa do Povo

Uma Igreja nova surge no Araguaia, “ungida com o óleo da solidariedade, ungida pelo vento da missão ecumênica”5, apresenta uma única cruz que é partilhada por todos e todas e puxada pela Glória do Senhor na sua Páscoa.
As alegrias e esperanças, tristezas e angustias de toda a Igreja-comunidade são partilhadas no amor do Cristo ressuscitado.

5. Ibid. p. 69.
Baldaquino da Catedral de São Félix do Araguaia

Nenhum comentário:

Postar um comentário